quarta-feira, 27 de junho de 2012

O Mais Belo do Mundo

   “A borboleta pousou na minha perna e um cara disse: a tua energia é boa mesmo, porque isso é o que significa uma borboleta pousar em alguém. Ela então caiu morta! E eu disse: Sério mesmo?! É melhor dizer outra vez.”

                                                                                                               (Thiago Nelsis)



Nunca quis ser Afrodite ou Palas Atena, nem qualquer outra deusa, elas são tão problemáticas!
Um dia vim passear nesse mundo onde tu estás agora e decidi ser mulher, humana mesmo, foi aí que depois de muito andar, conhecer, aproveitar... vi o mais belo do mundo! E ele nem olhou pra mim.
Ali naquela noite linda, naquela taverna cheia de dores e alegrias, a sentir a intensidade da vida, ao som das castanholas e o trinar de um violão, me senti tão feia, tão diminuta, tão indigna de existir. Era como se aquela espanhola bela e ágil mandasse do palco até mim uma duplicação de si para sapatear sobre mim, aterrando-me em meu próprio desvalor. 
O duplo de seu corpo era muito mais forte que ela própria e possuía toda a raiva do mundo, coisa que ela própria (que nem me tinha visto ali) não possuía. O vestido deste duplo não era vermelho e inspirador como o da dançarina no palco, mas pardo e liso como o fim de um sonho (foi, aliás, ali que descobri o que era sonhar). 
Senti-me tão, mas tão diminuta que me tornei uma feia lagarta, andava triste, indiferente ao sol e à chuva, sem sentir o sabor das plantas, sem valorizar a maciez da terra úmida... Ainda que no mundo das lagartas eu não fosse considerada tão insignificante e feia. Eu era triste... 
Mas aos poucos fui aprendendo mais coisas sobre a alma e o mundo e um dia, sem nem entender bem o porquê, me senti mais forte, olhei outra vez com coragem para o mundo fora de mim. Foi aí que vi novamente – o mais belo do mundo! E ele nem me viu.
Mas também, se ele me visse, que acharia de mim, uma simples lagarta?! Envolvi-me em um casulo, - o meu casulo -, e lá fiquei. O tempo passou. Até que um dia percebi que aquele casulo não era mais meu, que eu não era mais aquela rastejante e lenta lagarta... Foi aí que mais uma vez vi o mais belo do mundo!
Fiquei tão feliz em vê-lo, tão extasiada, sem nem pensar em mim, no quanto agora eu era leve, encantadora e bela. Aproximei-me dele, pousei em sua perna... neste exato momento um sábio amigo seu comenta que eu deveria ter pousado ali por causa de sua boa energia, e então ele me olhou. Olhou-me! E eu transcendi. 
Hoje, daqui de onde estou, muitas vezes a admirá-lo, desejo ir até ele e beijar-lhe, pousar um beijo sublime em seus lábios feitos de fascínio e encanto. Gostaria que um beijo meu pudesse oferecer-lhe toda a magia e êxtase que experimento ao vê-lo. 
Mas ele, ainda hoje, acha que morri em sua perna por não ser boa a sua energia. Ao ver isso, sempre experimento a ternura de uma lágrima triste a correr em meu rosto, e sorrio – por que ele existe.

Estela de Menezes, 26/06/2012

terça-feira, 26 de junho de 2012

Um Minuto

                                                                                    
“Silêncio belo que se instala
entre uma e outra vinda da incessante vida
que cobra sempre presença e convívio.
Quanta paz eu encontro
em não fazer nenhum sentido e
quem sabe
não ter nem identidade neste mundo.”
                              (Thiago Nelsis)



Gosto da calma dos campos em dias amenos,

do vento suave nos eucaliptos e nos ciprestes que cantam
sem obrigar ninguém a ouvi-los.
Gosto do passeio das formigas, que nem se ocupam em perceber minha presença, dos gravetos no pasto claro, da vaca, da ovelha,
do ninho do quero-quero quando o quero-quero está calmo,
da água fresca, do céu distante, distante... com uma nuvenzinha silenciosa e distraída.
Gosto de tudo que está lá e simplesmente está lá, nada mais,  permitindo assim o estar alheio sem indagações ou leis ou "formas corretas de se estar"
E gosto da cidade assim como está agora, como nela estou agora.
Enquanto os humanos em suas prisões sustentam a civilização,
ando pelas ruas onde os sons estão, mas não ferem o silêncio. Pelas ruas banhadas de uma luz suave, de um calor macio, por um sol tranquilo.
 Ando em passos despreocupados, sem os gritos dos apelos humanos (e dos meus próprios apelos).
É bom andar pelas ruas, onde meus pensamentos não mofam, não se emboloram em tramas neuróticas e viciadas,
onde a selvageria histérica conversiva e dissociativa do mundo sociabilizado (e confesso, muitas vezes minha) não invade a minha mente,
onde não me perturbo com minha própria loucura de achar que sei algo sobre mim ou os outros.
Ando no ritmo leve de minha solidão,
tentando estar desacompanhada até mesmo de mim mesma,
ando com passos despreocupados que parecem  um distraído embalar de rede
no sem fim de uma noite de sossego e descanso.
E me leva, meu andar, me leva...
Um minuto na leveza de assim
andar e assim me sinto: a andar mais leve.

Estela de Menezes

domingo, 24 de junho de 2012

Rosa

Rosa vivia plantada, apoiada no muro, bem perto do portão da frente da casa de dona Sofia. Liliana, a menininha da casa, brincava, corria, vivia como todas as outras meninas da rua e do bairro. Também como todas as outras meninas, na idade de ir à escola, Liliana ia à escola, estudava, não estudava, sorria, chorava, teve amores, namorados, fez viagens, foi a festas.
Rosa, a que quase ninguém via, vivia plantada, apoiada no muro de dona Sofia. Liliana, assim como tantas meninas, casou, teve filhos, continuou indo a festas, viajando, sorrindo, chorando. Outras meninas fizeram carreira, ficaram famosas, morreram de câncer... Rosa vivia plantada ao lado do portão apoiada no muro.
Tantas meninas nasceram, cresceram e tantas vezes na vida viveram e morreram!
Rosa vivia plantada, perto do portão,  apoiada no muro da frente da casa de dona Sofia, uma rosa que quase ninguém via, que com o tempo recebeu suas manchas, teve sua maciez comprometida, murchou, sem nunca perder seu perfume que tornava tão mais leve o ambiente e que agradava a tanta gente que nem percebia de onde vinha toda aquela suavidade que pairava no ar, era uma rosa que quase ninguém via. Um dia despetalou-se como uma nuvem cinza  chorando gotas de arco-íris, enfeitou a terra onde viveu plantada, tombou já sem vida em uma queda que ninguém viu, nem ouviu, ou viu e ouviu, mas não achou valor em comentar.
Rosa foi varrida de onde passou sua vida e depositada em meio a tantas outras rosas e não rosas que vivem ou não, mas morrem, como todos sempre morrem, são varridos e geralmente em algum lugar depositados, e como a grande maioria dos seres que vivem (ou não) e morrem, rosa sumiu da história do mundo como se nunca tivesse passado por lá.


Estela de Menezes.

Maria e as Estrelas e Suicida

Maria e as Estrelas


Maria queria tanto as estrelas do céu,
Queria tanto que atravessou o deserto,
escalou montanhas, se afogou no mar,
explodiu cidades.
Queria tanto tocá-las sem precisar esconder
seu fascínio,
contempla-las em silêncio e êxtase, com calma,
queria respira-las...
dissipar-se no ar, fundir-se nelas.
Queria tanto que quando as teve diante de si
fechou os olhos,
perdeu a força nas mãos, nas pernas...
Adormeceu sem nem acreditar
que não era só delírio de desejo,
mas reciprocidade de energia e vida.
Queria tanto!...
e quando acordou viu o sol,
o dia claro e a realidade de concreto e rotinas.
A realidade vazia e a luz do dia
deixando claro que Maria
não tinha aprendido a merecer e agarrar estrelas.
Agora ela só via um sol infindo a escurecer sua alma.
Mas a noite ainda há de voltar, Maria. Há de voltar, algum dia.


Estela de Menezes





Suicida



                                “Queria ao menos ser amiga dele, a melhor amiga dele, alguém que ele soubesse que sempre pode contar, que vai sempre estar ao lado dele.”
                                                                                                                    J. Pouey

                              “ O nome dela estava no sub do msn dele, entre dois coraçõezinhos...”
                                                                                                                         J.P.

 “Não é uma questão de não gostar mais da vida e querer morrer, é bem diferente! A morte é como uma dança. É uma música que vem no ar, sedutora, que te envolve e te tira pra dançar e te envolve mais ainda, e te leva, e tudo que tu quer é te deixar levar... Pra esse mundo que te exige sempre um motivo pra tudo, acha-se um motivo para dar de desculpa ao mundo, na verdade, para se deixar levar...”
                                                                                                                            S.R.




                    Naquela manhã a chuva tinha parado após três dias e noites quase sem tréguas. Há muito que ela só dormia, de quando em quando acordava, ouvia a chuva, dormia. Não via por que acordar, seu corpo inteiro doía, não suportava mais sonhar.

                  Naquela manhã veio o sol, tudo ainda estava úmido e ela saiu a andar. A calça preta, os tênis mal cuidados, camiseta, pele sem nenhuma cor, os lábios secos e sem vida, olheiras...  Mas ela sorria quando sentia o ar tocar em seu corpo, entrar pelos seus pulmões. Quem poderia saber o quanto seu peito doía, e que cansaço e apatia arrastava pelas ruas?

                 Sentou-se à beira do rio sobre uma pedra, olhava distante, parecia observar as águas de Libres, as árvores talvez. Podiam-se ver agora lágrimas umedecendo seus olhos, sem escorrer. Olhar fixo e distante – ficou ali sentada  por horas, depois se virou, olhou a ponte, caminhou pela beira do rio. Como seu corpo doía! E o peito parecia ser afundado por um punho de ferro.

                Voltou para o centro, andou pelas ruas, sentou-se no café de sempre à mesma mesa, e como tantas vezes o pensamento, assim como o existir, desafinado e desarmônico, o desejo nada saudável de um passeio pelas redes sociais, a foto dele no perfil... Tão lindo! Um sonho!

               Queria tanto ouvir sua voz.  Queria tanto um oi, como estás?

               Queria ser sua amiga, sua melhor amiga... queria chorar.

              Sorrindo pagou o café e se despediu do rapaz que sempre a atende tão gentilmente, sem jamais esquecer seu nome, nem de perguntar: tudo bem?

               Caminhou mais e mais, observou cenas que dariam boas fotos, mas hoje nem isso  queria fazer.  Andando pensava na menina linda para quem ele deixara lindas mensagens. Tão linda, tão linda! 
             
Voltou para o rio, tinha câimbras, não queria voltar pra casa, não queria dormir... queria acordar.  Como será se afogar? – pensou. 

               Virou-se, voltou-se para a rua e aos poucos foi se afastando do rio, já nem sentia mais o corpo, só o cansaço, o cansaço do querer, do sonhar...

              Deve haver um veneno que nos faça dormir com leveza, parar de pensar...  tantas vezes havia pensado nisso: um copo de vinho que embriague para sempre, sem jamais causar mal-estar.

               Tantas vezes enxergou um revólver contra sua cabeça, bem em sua têmpora esquerda. Mas não... isso não.

               Agora parecia a felicidade a andar pelas ruas, seus olhos brilhavam, seu sorriso se abriu e ela subiu os ombros e apertou os braços ao redor do corpo como quem sente um abraço de quem está, mas não se deixa ver. Imaginou-se andando ao lado dele a conversar, estavam tranquilos, estavam contentes...

               Uma luz tão forte, o soco de uma mão gigante, um gosto de sangue... o escuro, o corpo queimando no asfalto... o carro parou.

               Ela o tinha diante de si: o cordão no pescoço, os lábios como em uma tela, os olhos que guardam segredos que nem nesse momento se deixavam revelar...  Ela finalmente deixou correr as lágrimas dos olhos, seus lábios sorriam... e adormeceu no asfalto banhado de sangue.

               Logo a multidão invadiu o local, ouviam-se sirenes e vozes. 

               E ele naquele dia, nem sequer passou naquela rua. Naquele dia nem sequer pensou nela. Mas sua ausência, coisa que ela sempre teve certeza que assim como sua presença nem seria notada nesse mundo, todos que a conheciam, inclusive ele. Atribuem a um acidente de trânsito, estúpido e cotidiano. 

                                                                                                         Estela de Menezes. Outubro de 2011.


Meu Amigo Escuro e o Companheiro Medo e outros antigos

Quando eu era pequena,
não gostava do escuro, tinha medo.
Ao deitar, pensava no que tinha feito durante o dia,
e esperava ansiosa um outro dia,
para fazer o que ainda não tinha pensado.
Quando, sorrateiramente,chegava o escuro,
eu ficava imóvel, paralisada de medo.
Pois ele, o escuro, era traiçoeiro e astuto.
Sempre misterioso e calado,
jamais explicava se me escondia do mundo
ou se escondia o mundo de mim.
Só sei que meus pais, minha irmã,
meus brinquedos e minha casa, desapareciam.
A luz fugia, acho que também tinha medo.
Agora eu estava sozinha, assustada com tal solidão
Quanta coisa poderia me acontecer... não sabia.
O medo de sentir medo era o maior, pois era amigo do escuro.
Hoje, quando eu apago a luz para dormir,
lembro de ter esperado durante horas e horas
a hora de encontrar o escuro
Se estou feliz, posso sonhar e sorrir tranquila
e quando estou triste, posso refletir em paz.
Em qualquer ocasião
o escuro me abraça tão forte
que me protege de quase tudo o que eu não gosto,
e eu brinco com meus medos, no entanto,
não temo um amanhecer aterrorizante,
pois o medo é um dos muitos ângulos do prazer,
o mais emocionante, enigmático e surpreendente.


Estela de Menezes,1994.





Cavalheiro


Ai... Como é lindo o meu amor!
Ah! Mas sabes a razão desta lágrima?
Minha alma pertence a um tal senhor
E a alma desse amor me é negada.

Ah! Como é doce, meigo, puro!...
Se me nega a vida essa força, essa brandura...
Não me queixo. Se vivo é por tal ventura:
Que aproxime Deus teu destino de meu futuro.

Ah! Quem me dera o sonho maior: secar o pranto que esvai
E gozar de teu calor que abranda toda amargura.
Dá-me Deus a graça de um sorriso, – essa Ternura.
Ah! Mas, meu amor – como é lindo! Ai!


Estela de Menezes


No Inverno


Entardece,
Noite desce,
Garota cresce,
Garoa cai.
 
Entardece,
Um fogo aquece
E a moça
A garota esquece
A escada desce 
E do quarto sai.

Entardece,
Garoa aquece,
O mundo cresce
E a moça parece
Que num sonho
Mergulha, cai...

Entardece,
Para seus braços 
A moça desce,
Do mundo esquece,
Um fogo cresce,
E num sonho mergulha, cai.


Estela de Menezes

O Meu Amor


Meu amor que ama amar
Ama amar o meu amor.
Tudo que ama o amor amar,
Ama amar no meu amor.
Ama o rosto, o jeito, a voz,
Tudo em ti – o meu amor.


 Estela de Menezes

Porto Alegre


Saudade
Saudade senti
Saudade senti daqui
Das ruas, calçadas, praças
Do sol
Do sol e da chuva
Do sol da chuva e de ti
De ti
De ti e de tudo
De ti e de tudo daqui. 


Estela de Menezes