terça-feira, 10 de julho de 2012

Histórias do louco. Parte I: O louco

O louco


Vagava por aí com um pequeno saco de trapo nas costas contendo ninguém sabe o que, não ia para parte alguma, não dormia, não acordava, não comia, não fazia nada sem trazer consigo, agarrado como a um valioso tesouro, aquele pequeno saco de trapo encardido.
Ele observava os pássaros voando, as vacas ruminando, as crianças brincando, os jacarés , os crocodilos, os pumas, os tigres, os leões, as focas, as primaveras,as margaridas, a fumaça dos fogões, das chaminés, dos carros,  os navios, as plantações, os humanos...
Tinha em si a tempestade e a calmaria. Andava, andava,andava... dormia, olhava... corria o mundo, andava.
Um dia resolveu parar e ver mais de perto como era a vida da maioria daquelas pessoas que costumava observar, pessoas comuns, “normais”.
Largou seu pequeno saco feito de trapo e em uma casa pediu roupas, conseguiu um banho em posto de combustíveis e um serviço de auxiliar de mecânico em uma cidadezinha de interior, aprendeu rápido, trabalhou naquela mesma oficina o tempo que levou para acabar seu ensino médio, que há muito tinha deixado nos primeiros dias de aula, do primeiro ano. Nas horas de folga lia muito, assim que acabou o ensino médio foi para a capital, entrou pro teatro e pra a faculdade de direito ( federal é claro), era excelente ator, e com o talento e sorte de poucos conseguia viver muito bem com o teatro, mas resolveu experimentar também o cinema  e a tv, ficou famoso.
Ele agora ao experimentar coisas, não só observava e sentia, mas lidava com elas e muitas vezes as dominava, sentia-se um Mago!
Conheceu uma cantora estrangeira e se apaixonou, ela era bonita e até que inteligente, casaram-se, ela engravidou, resolveram experimentar a vida em família, calma e morninha, mudaram-se para Curitiba, moravam em uma verdadeira mansão, em um lugar lindíssimo e luxuoso, tornou-se um dos mais importantes advogados da cidade e logo do país. Sentiu-se um Imperador!
Um dia, ouvindo Piazzolla, fumando seu cachimbo e olhando a noite se pôs a pensar no quanto estava acostumado com tudo e no quanto tudo que agora fazia era por habito e no quanto todo mundo a sua volta lhe tratava como lhe tratava por hábito ou até por dever. Espontaneidade e surpresa eram coisas cada vez mais raras ao seu redor – e em si!
 Desligou o som, largou o cachimbo, vestiu a pior roupa que encontrou na casa sem nem saber de quem era, pegou uma foto de sua esposa e sua filha, uma maço de cigarros, alguns incensos, um isqueiro um pequeno canivete e partiu.
 A esposa sentiu-se traída, a filha abandonada, os jornais, as emissoras de radio e televisão, os noticiários da internet, todos anunciavam que ex-ator famoso, um dos mais importantes advogados do país larga a família e desaparece, tendo sido  visto pela última vez  por vizinhos, saindo de casa  mal vestido e a pé, carregando um pequeno saco de trapo encardido contendo em seu interior  sabe-se lá o que, ele estava louco afirmavam, todos tinham certeza disso.
Ele, andou, andou, pegou carona, comprou bicicleta, vendeu, conseguiu serviços de tudo e mais um pouco por aqui e por ali, e continuou correndo o mundo. Depois de tanto andar, de tanto buscar, de tanto conseguir, de tanto perder, depois de saber como era se sentir triste, livre, errado, solitário, pleno, vazio... sentia que algo havia morrido dentro de si e que  só agora tinha consciência do que é estar vivo.

                                                                                                                  Estela de Menezes, 23/06/2012

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